quinta-feira, 12 de junho de 2014

Arte e Especulação Financeira A arte até pode ter qualidade e estar inocente, mas... por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

Arte e Especulação Financeira
A arte até pode ter qualidade e estar inocente, mas...
por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO
Infelizmente a chamada 'arte contemporânea' tornou-se no seu descarado exibicionismo sinónimo de ganância, especulação e poder. Os centros de legimitação e crítica foram corrompidos em larga escala pela nova ordem museológica mercantil, pelo menos desde a década de 80 do século passado. Há, como no mundo da ganância financeira mundial, uma dissimulação e uma falsificação sistémicas do valor simbólico e político da arte, de que muitos dos seus protagonistas são mandantes e executantes: dealers, diretores de museus, comissários de exposições, falsos críticos de arte, artistas e uma série interminável de pequenos atores indigentes.
Tal como as notações financeiras são regra geral fruto de jogos viciados, onde a ganância dos Huber Wealthy decide da vida e morte de milhões inocentes, também no comércio altamente especulativo da arte, sobretudo depois do colapso do subprime imobiliário, que empurra os movimentos especulativos para outros territórios, como as chamadas commodities, os empréstimos estudantis e os leilões de arte contemporânea, a apreciação crítica encomendada das obras de arte tende a obedecer à força dos grandes jogadores em cena: art dealers e super milionários que colocam parte das suas fortunas imensas na brincadeira da arte. Eles sabem que no longo prazo as suas apostas podem ser um desastre. E assim sendo jogam no curto e médio prazo. Compram e vendem arte, como quem aposta nos mercados de futuros.
Acontece, porém, que à medida que o mundo entra numa transição radical, como aquela que estamos a iniciar, a qual vai traduzir-se numa redução sem precedentes dos rendimentos das classes médias e numa fratura absolutamente escandalosa entre podres de ricos e a gente normal, a corrupção dos processos de legitimação vai ser inevitavelmente posta a nu, denunciada e perseguida. Até mesmo pelos poderes públicos!
Situações como as que ocorreram em Portugal, onde foi possível vermos uma criatura assumir a dupla qualidade de assessor de uma coleção especulativa de arte privada, que acabou como se sabe, e de diretor de um museu nacional de arte contemporânea, não são para repetir.
O artigo do New York Post que originou este comentário brinca com a famosa expressão dos anos 80 do século passado: bad art. Outra ideia daquela época era esta: art is money! A verdade é que tem sido mesmo assim desde então. E no entanto, a arte e a teoria da arte, isto é aquilo que podemos conversar seriamente a propósito de uma obra de arte, ou de um paradigma artístico, um autor, etc., são outra coisa, mesmo quando uma, ou milhares de obras de arte genuinamente importantes se encontram aprisionadas nos armazéns de quem as toma como meros troféus de caça e ativos especulativos. Não confundamos as coisas!
Esperemos, entretanto, que a bola de neve dos atores-rede e das próprias redes sociais acabem por destapar toda esta aldrabice e abram caminho para o renascimento de uma arte imune a manipulações descaradas. O primeiro passo a dar por todos os artistas, comissários, curadores, diretores de museu, galeristas e escritores que escrevem sobre arte, que não fazem parte da nomenclatura que fede, é exigirem imediata transparência dos atos institucionais, sejam estes oriundos das instituições públicas, ou de qualquer outra organização beneficiária de subsídios e apoios públicos, incluindo as muitas e substis isenções fiscais.
A conversa livre sobre o valor intrínseco da arte, essa deve seguir a sua já longa história.

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